30 de jan. de 2009

A Máquina de Xadrez


Não estou falando de Capablanca, o genial cubano que era considerado uma verdadeira máquina de jogar xadrez, e sim de um romance baseado em uma história real. Acredito que todos os que se dispuserem a lê-lo terão tanto prazer quanto eu tive.
Aí vai:

“A Máquina de Xadrez”, Robert Löhr (2005)
trad: André Del Monte e Kritina Michahelles
Ed. Record


Muitos livros sobre curiosidades mencionam um certo Turco, um autômato que jogava xadrez, e que fez muito sucesso no século XVIII e XIX. A história é sempre contada em poucas linhas, mencionando que a máquina chegou a jogar até mesmo com Napoleão. O fato é que esse autômato realmente existiu e foi uma das maiores fraudes de todos os tempos. Segundo Edward Lasker, em seu livro “A Aventura no Xadrez”, é mais uma prova de como o ser humano tem prazer em ser enganado.

O Turco, como ficou conhecido, era um prodígio de marcenaria e mecânica. Como se fosse uma caixinha de música, do tamanho de uma mesa, com um tabuleiro de xadrez onde em vez de uma bailarina, um boneco (em tamanho real) joga contra alguém da plateia. E ganha!
Na verdade, no interior da mesa (caixa) havia um jogador muito forte que movimentava os comandos internamente. Até mesmo Pillsbury atuou dentro dela quando esteve em terras americanas. A máquina então estava sob controle de Johan Maezel, que a adquiriu após a morte de seu inventor. Suas apresentações sempre foram um retumbante sucesso, o que garantiu muito dinheiro para seu feliz proprietário.

Edgar Allan Poe assistiu a umas de suas exibições em 1836 e, apesar de não desvendar seu segredo, não tinha a menor dúvida que em seu interior havia um ser humano, conforme artigo publicado em jornal da época.

O livro, entretanto, nos conta a história do autômato, desde sua origem, através dos olhos de seu inventor, o barão Wolfang von Kempelem, e do primeiro jogador a ocupar o seu interior, Tibor Scardanelli, um anão. A história é toda baseada em fatos reais.

Von Kempelem foi um extraordinário mecânico (na época, um indivíduo que inventava ou consertava máquinas, e não carros, como é hoje) que buscava reconhecimento e um cargo de destaque na corte austríaca. Para tanto prometeu à imperatriz construir algo que iria assombrar o mundo em apenas seis meses, logo após ela queixar-se que apenas estrangeiros tinham sido capazes desse feito. O que realmente almejava era criar uma máquina que falava, mas isso era impossível de se obter em tão pouco tempo. No entanto, o autômato que jogasse xadrez era possível, mesmo que fosse uma farsa.

O destino fez com que Tibor, o anão, cruzasse o caminho de von Kempelem nesse período. O detalhe é que Tibor era um excepcional enxadrista, o que vinha a calhar com as intenções de von Kempelem.

Tibor era um pária da sociedade principalmente pela sua condição social (não tinha família, era muito pobre, e isso parecia pesar mais ainda que sua condição física). Ganhava a vida jogando xadrez em troca de uma refeição nas tabernas. Às vezes ia parar na prisão, fosse inocente ou culpado. Seus dois maiores (e únicos) tesouros eram uma medalha da Virgem Maria e seu tabuleiro de xadrez.

Tibor foi contratado pelo barão para ser o cérebro por trás do autômato, mas junto com isso veio uma quase sentença de prisão: ele não pôde jamais ser visto, nem mesmo pelos empregados da casa do Barão, sob o risco de o golpe todo ser descoberto. Seus únicos amigos passaram a ser o marceneiro que construiu a mesa e a parte externa do Turco, que era o braço direito do barão, e o próprio von Kempelem. Os três formam o triângulo em volta do qual gira praticamente todo o romance.

A apresentação, que deveria ter sido a única, apenas para atingir os objetivos de von Kempelem, foi um sucesso tão grande que não foi possível recusar novos espetáculos. Gente de toda a Europa foi a Viena apenas para ver a máquina que jogava xadrez. As apresentações eram pagas e o barão começou a ganhar uma fortuna com elas. A imperatriz o nomeou mecânico da corte, o que gerou ciúmes no antigo ocupante da vaga que, mesmo suspeitando da farsa, não foi capaz de identificar como ela era feita, a menos que examinasse detalhadamente todo o mecanismo, o que não lhe foi de todo permitido.

A partir daí o romance inicia uma sucessão de intrigas, espionagem, mortes, desentendimentos, traição e sexo, escrito de forma tão agradável que é difícil interromper a leitura.

O livro não é sobre xadrez, embora ele seja o pano de fundo de toda a história. No entanto eu recomendo a leitura não só por ele ser um dos raros romances com xadrez como tema, mas porque a história serve também para mostrar o alto grau de respeitabilidade e interesse que esse jogo alcançou ao longo do tempo em todas as classes sociais. Era uma das principais diversões da nobreza e da plebe. Dezenas de pessoas do povo pagavam para jogar com a máquina nas exibições em diversas cidades e países. Não só na Europa mas na América.

E recomendo o livro sobretudo por ser muito bem escrito e desenvolvido. No final, o autor nos conta que fim levaram os principais personagens do romance. O Turco, posso adiantar, acabou finalmente destruído em um incêndio no Chinese Museum em Filadélfia, em 1854, aos 85 anos de idade.

Um comentário:

Anônimo disse...

Silvinho, que interesante! Claro que vou ler. Pulando as partes que pra mim não da pra entender, tipo Re5, Be8, e outras. Mas que deve ser bem interesante pela descrição da época e porque mostra o mundo ao redor do xadrez, com certeza que quero ler. Brigada. Nelly