15 de abr. de 2018

Agora vai: voltei com o blog!

Depois de um longo e tenebroso inverno eu resolvi reativar este blog, atendendo, principalmente, a um (vários) pedidos (pedidos? haha!) da Lolinha, minha esposa, que não entendia o motivo da infindável hibernação. Como alguns devem saber ela é a responsável pelo blog Escreva Lola Escreva, o maior blog feminista do Brasil. Para reiniciar, ela sugeriu um post que eu fiz recentemente para o seu blog, falando sobre xadrez sob uma perspectiva de gênero. Essa é a minha visão sobre o tema, construída ao longo de quase 50 anos vivendo como jogador, treinador, técnico e estudioso de xadrez. A partir de agora, pretendo fazer pelo menos um post semanal aqui no blog. 

O ambiente enxadrístico não é exatamente amistoso, particularmente se o adversário for do sexo feminino. 
O jogo de xadrez, entretanto, apesar de dominado pelo sexo masculino (rei, bispos, cavaleiros, soldados/ peões), é comandado não pelo Rei, que é tratado como alguém muito mais frágil do que importante, e sim pela Dama/ Rainha –- esta sim a peça mais poderosa do jogo. Mas nem sempre foi assim.
O xadrez foi criado por volta do ano 600 d.C., provavelmente como uma luta simbólica entre exércitos (primeiramente quatro e depois dois), e reproduzia os elementos guerreiros da época, de ataque e de defesa: reis, conselheiros, torres, cavalos, elefantes (pois a origem do jogo foi na Índia) e soldados/ peões. Na época, não havia o elemento feminino nas batalhas. 
Ao longo do tempo, devido ao comércio e às invasões, o xadrez foi sendo popularizado no resto da Ásia, norte da África e Europa (lembrando que os mouros invadiram a península ibérica e lá permaneceram por 800 anos), onde o sistema feudal passou a ser representado. Isso incluía a rainha, que, no entanto, tinha uma movimentação bastante modesta: só se movia uma casa na diagonal, o que a tornava uma das peças mais fracas, superando apenas o peão. A Igreja, que também tinha exércitos e guerreava (os papas iam literalmente às guerras), passou a ser representada. E o elefante (que era desconhecido pelos europeus) foi substituído pelo bispo ou pelo bobo da corte (ou mensageiro do rei). 
A promoção do peão [para quem não conhece as regras, quando um peão alcança a oitava casa, ele deve ser trocado pela peça que o jogador quiser, exceto rei e peão] também teve seus problemas: entre os muçulmanos, a quem era permitido ter várias esposas, promover o peão à dama não criava conflito. 
Mas entre os cristãos, a existência de uma nova rainha, estando a original ainda no tabuleiro, não devia ser admitida. Assim o peão só poderia ser promovido à dama se essa já não estivesse no tabuleiro [hoje isso não mais existe. Na teoria, pode haver nove rainhas brancas ou negras no tabuleiro, ou seja, cada um dos oito peões podem virar rainha].
Mas de onde veio a atual força da rainha? Na vida real, quando um rei se ausentava ou morria, deixava um herdeiro do trono que com frequência era uma criança. 
Muitas vezes quem assumia o poder de fato era a rainha, até que o príncipe herdeiro tivesse idade suficiente para governar. Segundo Marilyn Yalom, pesquisadora de gênero e autora do excelente livro Birth of the Chess Queen (Nascimento da Rainha de Xadrez), algumas dessas rainhas se tornaram extremamente poderosas, como Adelaide, esposa de Oto I em 950, com quem construiu o grande reino ítalo germânico. 
Após a morte de Oto I, Adelaide manteve forte influência sobre o novo soberano, seu filho Oto II, até ele se casar com a princesa Teofânia Escleraina, que impôs o exílio a Adelaide. Teofânia, após a morte de Oto II, assumiu com mãos de ferro o poder, como regente de seu filho Oto III, chegando a assinar documentos como Imperator Augustus ao invés de Imperatrix Augusta. Com a morte de Teofânia, Adelaide voltou do exílio e tornou-se a regente de seu neto Oto III até sua maioridade em 994. 
Marilyn Yalom, historiadora
Tanto Teofânia como Adelaide podem ter sido o modelo para a rainha no xadrez. Mas foi em 1497 que foi observado no livro de Luis Ramírez de Lucena sobre o jogo de xadrez que os movimentos das peças já eram idênticos aos de hoje, com pequenas modificações. No entanto, a grande transformação no jogo foi o enorme aumento do raio de ação da rainha -– que levou o jogo a ser chamado de “a dama louca” por aqueles que se opunham a tanto poder feminino.
Inúmeras rainhas de carne e osso jogaram xadrez durante centenas de anos. Mas, no século 17, elas saíram de cena. Para Yalom, talvez isso tenha acontecido porque, com as mudanças das regras (a própria dama ficando mais forte), o jogo ficou mais agressivo e passou a ser jogado em espaços públicos, vistos como não apropriados para mulheres.
O jovem Bobby Fischer e sua irmã
Joan
Nos 300 anos seguintes, o universo do xadrez ficou amplamente dominado pelos homens. Por que isso
Lógico que os misóginos (incluindo um dos maiores campeões de todos os tempos, Bobby Fischer, cuja irmã lhe ensinou a jogar) diziam (e ainda dizem, como o fez o britânico Nigel Short há dois anos) que os cérebros eram diferentes, ou que mulheres não têm as mesmas capacidades intelectuais.
Besteira. Um estudo de 2013 revelou que meninas de 6 anos já estão cientes do estereótipo de que "bons jogadores geralmente são meninos". Isso afeta como elas jogam.
O seguinte experimento foi realizado recentemente para identificar o grau de ação de estereótipos de gênero: 42 jogadores foram emparceirados, dois a dois, homens contra mulheres, levando em consideração a sua força aproximada. Jogaram pela internet, sem saber de que gênero era o seu adversário. O resultado final foi equilibrado
"Claro que não", diz o subtítulo
Quando refizeram o teste, desta vez informando o gênero do adversário, a performance feminina caiu em quase 50%.
Isso mostra que a capacidade dos dois gêneros para o xadrez é, pelo menos em média, equivalente, mas que o resultado pode ser afetado se os jogadores sabem contra quem estão jogando. O principal motivo da "superioridade" masculina no xadrez é, no entanto, estatístico: há muito mais homens jogando do que mulheres.
Outra situação interessante foi a análise das gigantescas bases de dados de partidas de xadrez (feita na Califórnia) em que se constatou que jogadores homens mudavam seu estilo ao enfrentar mulheres e passavam a jogar de forma muito mais agressiva do que jogavam normalmente contra adversários homens.
O topo da pirâmide dos enxadristas só foi realmente alcançado, até hoje, pela húngara Judit Polgar, que rompeu o recorde de Bobby Fischer e se tornou a mais jovem grande mestre do xadrez [aos 15 anos e 4 meses, em 1991; já foi ultrapassada pelo norueguês Magnus Carlsen, que conseguiu a façanha de ser GM aos 13], e esteve entre os dez jogadores mais fortes do mundo, sempre se recusando a participar de torneios exclusivamente femininos. 
As fantásticas irmãs Polgar em 2012
Sua irmã, Sofia Polgar, hoje afastada das competições, também rompeu a barreira masculina ao ter um dos ratings de performance mais fortes na história (de 2879 pontos aos 14 anos, num torneio em Roma). Sua outra irmã, Susan Polgar -- as três foram fenômenos do xadrez --, foi a primeira pessoa a conseguir a coroa tríplice, ao ficar com os títulos mundiais de xadrez Blitz [jogo que dura apenas 3 minutos para cada jogador, com acréscimo de 2 segundos por jogada], Rápido [o jogo normalmente dura 15 minutos para cada jogador] e tradicional. 
Hoje temos uma imensa quantidade de GMs mulheres, mas ainda muito longe do masculino em quantidade. Entre os cem melhores jogadores do mundo temos apenas uma mulher, a chinesa Hou Yifan (lembrando que Judit Polgar, considerada a maior jogadora de todos os tempos, não joga mais).
Minha experiência de mais de 35 anos como professor e treinador de xadrez mostra que no início as mulheres dominam o jogo em quantidade e qualidade. Raras vezes eu tive um aluno que era claramente melhor do que as meninas. Porém, ao longo do tempo (geralmente perto dos 15 anos), os meninos continuam a treinar e a competir, enquanto a maioria das meninas para. As que não param mantem-se no mesmo nível em relação aos meninos. No entanto, após alguns anos, devido às desistências, o número de meninos jogando bem já é muito maior. 
Minhas aulas sempre tiveram uma proporção equilibrada entre meninos e meninas, mas às vezes alguns professores tendem a tratar os meninos e meninas de forma desigual, desestimulando a participação delas. Competições femininas separadas (onde fica claro que o motivo é “porque elas são mais fraquinhas”) também não contribuem para o desenvolvimento no jogo. Um dos preceitos das irmãs Polgar era só jogar torneios absolutos e, apesar de não terem se tornado campeãs mundiais absolutas, faziam parte da elite do xadrez. Esse já é um assunto controverso: existem bons argumentos dos dois lados, um pleiteando que não haja separação, já que tanto os homens quanto as mulheres tem a mesma capacidade. Um outro concorda , em parte, mas previne que as condições extra-tabuleiro, principalmente para as jogadoras mais jovens, geradas pelo comportamento social, podem inibir a performance das jogadoras.
Meu desejo é que mais e mais meninas aprendam e joguem xadrez, inclusive profissionalmente. E que não parem de jogar quando crescerem. Quanto mais jogadoras, maiores as chances que as mulheres se destaquem e conquistem a igualdade também num jogo tão primoroso, em que a peça mais poderosa é a rainha.

8 comentários:

MI Resende disse...

E voltou em grande estilo! Excelente comentário sobre um tema complexo. Questão cultural e estímulo respondem a diferença de força.
Obrigado Lola!

Felipe Roberto Martins disse...

Olá Silvio! Tdb?
Já acompanho a Lola e agora acompanharei você também.
Não sabia que no ambiente do xadrez havia problemas que refletem tanto nossa sociedade, não como você descreveu.
Eu gosto muito de xadrez, mas já não jogo faz tempo.
É mito ou fato: "...quem gosta de xadrez, gosta mais de exatas...?" No meu caso, sou totalmente de Humanas.
Abraços e continue nos brindando com seus textos :).
Felipe/ Suzano-SP

igor disse...

Adorei! Um prazer saber mais da história do xadrez e tbm "te" conhecer😊 Mandou muito bem, maridão! Rsrs

igor disse...

Putz, escrevi e saiu na "conta" do meu irmão! Rsrs sou leitora da Lola, agora sua tbm! Bjão

João Suado disse...

Cuck.

Chico Bioca disse...

Elas param com o tempo pq descobrem que é melhor brincar com corações de homens que com pecinhas num tabuleiro

Anônimo disse...

O Brasil tem solução: dilma!

Eis aí a dilmA nésciA!

Essa mulher é uma AnimalA, — cruzadA de égua com jumentA!
Como toda certeza. Uma presidenta incapaza.
Uma presidentA imbecila. Uma presidentA ignorantA.
Uma PaTeta.

uma parvA, desinteligente, energúmenA, medíocre.
PALERMA.
InaptA e ineficientA.

IncompetentA, PresidentA incapazA; inábilA.

Não tem inteligência:
Idiota, imbecilA, estúpidA, presidentA ignorantA, burrA, nésciA, desqualificadA.

BurricA, besta, mulA, asnA, jericA, onagrA. Uma pessoa com total pouca pensamentA.
AnalfabetA.
Uma palerma.
Uma azêmola.
BroncA.
EstultA.
Idiota.
Parva.
Uma tapada.
IgnorantA imbecilA, lerdaçA, aPaTetada, teimosA, tola, uma toupeira, uma ANTA.

Repare com muita atenção esse vídeo e confirme tudo acima. Eis:

https://youtu.be/rnGcJCxJr1U

Nossa PresidentA. Montada e bolada pelo João-O-Milionário-Santana. Um produtA para consumo.

Anônimo disse...

Que postagem massa! Espero também que apareça mais mulheres no xadrez, esse termo por ser mulher já não existe mais, com a mesma dedicação e treinamento pode-se jogar de igual para igual...existem mulheres com performasse enxadrística muito melhor que vários homens.